SÁBADO OU DOMINGO?
DOCUMENTOS HISTÓRICOS SUGEREM QUEM ESTÁ COM A RAZÃO
Sábado ou domingo? Em se tratando do dia religioso e específico para um descanso das atividades laborais da semana, esta é uma pergunta que ainda inquieta muitos cristãos, principalmente porque há um segmento protestante que assegura, convictamente, a motivação histórica e teológica para a guarda do sábado, sendo este o sétimo e último dia da criação divina.
O que dizem os documentos? O que podemos extrair da história do
cristianismo nos seus primeiros séculos de existência? Teria sido mesmo
Constantino o grande responsável pela mudança do sábado para o domingo?
Indiferente à “verdade” dos fatos, o que se tem hoje, bastante
enraizado, é o costume cristão de guardar o domingo, embora essa
“guarda” já não tem o mesmo sentido psicológico de outrora, notadamente
dos primeiros séculos cristãos, quando havia um claro sentimento
teológico de reservar um dia da semana especialmente para se adorar a
Cristo. Hoje, como é visivelmente percebido, o domingo já não é
reservado para esse fim, salvo pouquíssimos casos.
Essa velha disputa entre sabatistas e cristãos não sabatistas tem pelo
menos o marco cronológico em que não se questiona a guarda do sábado
como sendo o dia sagrado, conforme os termos bíblicos. Pode-se dizer,
seguramente, que antes da morte de Jesus Cristo não se reivindicava a
utilização do domingo com essa finalidade. A questão estaria, pois, a
partir de sua morte, quando deu início a saga cristã, repleta de
momentos controversos e até hoje não esclarecida suficientemente em
relação a diversos pontos sujeitos a intensos debates.
Quer o sábado, quer o domingo, a cúpula de seus defensores se utilizou
(e ainda se utiliza) de argumentos puramente teológicos para justificar,
incentivar e “forçar” seus seguidores à observância dessa cláusula
bíblica, sob o argumento de que é um mandamento divino, devendo,
portanto, ser observado por aqueles que pretendem um lugarzinho no céu,
embora não seja o motivo gerador para o êxito em questão.
Em outras palavras, se o tema não é interessante para os não cristãos e
para os cristãos que o veem como um tema obsoleto, ele é de crucial
importância para aqueles que o têm como elemento bíblico, bem assim para
pesquisadores que se interessam por trazer à tona as “verdades”
históricas que circundam esse tema tão divisório, razão por que não é
consensual entre todos aqueles que se definem como cristãos.
Quando, enfim, o cristianismo primitivo passou a adotar o domingo em substituição ao sábado?
Os sabatistas alegam que foi a partir de Constantino, notadamente porque
a fundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Ellen White (1827 –
1915), sustentou que foi o referido imperador romano o grande vilão,
sendo o falsário e o maior responsável por esse embuste.
Uma coisa pelo menos é certa: Constantino deu a palavra final,
decididamente capaz de manter, no seio da nova igreja, o costume de se
guardar o domingo e não mais o sábado. No entanto, parece ser, do ponto
de vista histórico, uma acusação precipitada no que concerne à afirmação
de que ele teria sido seu grande inventor, ainda que movido pelas
muitas razões políticas e religiosas da época – a exemplo da criação do
Natal em 25 de dezembro, uma clara tentativa de sufocar a festa pagã do
culto ao Sol Invictus, patrono oficial de todo o Império romano a partir
do governo de Aureliano (270 – 275).
Assim, antes mesmo de trazermos alguns textos históricos, fica a
observação de que a questão da adoção do domingo como dia sagrado e a
adoção do dia 25 de dezembro como sendo o dia de nascimento de Cristo
têm contextos próprios, e não se sujeitam às mesmas bases históricas, de
modo que se pode assegurar que, em relação ao primeiro questionamento,
temos documentos que sustentam essa tese (a de que muito antes de
Constantino os cristãos já guardavam o domingo), ao passo que em relação
ao segundo, nada se sabe, do ponto de vista documental, acerca da real
data de nascimento de Cristo, sendo, portanto, seguro afirmar, até aqui,
que se trata de uma invenção da Igreja Católica quando a mesma ainda
sequer havia sido oficializada.
Quais são, enfim, os textos documentados que corroboram a tese de que os
primeiros cristãos já observavam o domingo e não mais o sábado?
Preliminarmente vamos citar um trecho de Plínio, o Jovem, escrito por volta de 112 d.C.
Vale ressaltar, no entanto, que nesta passagem não fica evidenciado o
dia da semana, mas já nos mostra que havia um dia específico para as
práticas litúrgicas em questão:
“... tinham os cristãos o hábito de reunir-se em um dia fixo antes de
sair o sol, quando entoavam um cântico a Cristo como Deus e se
comprometiam, mercê de solene juramento, a não praticar nenhum ato mau, a
abster-se de toda fraudulência, furto e adultério, a jamais quebrar a
palavra empenhada ou deixar de saldar um compromisso em chegando a data
do vencimento, após o quê era costume separarem-se e reunir-se novamente
para participar do banquete comum, servindo-se de alimento de natureza
ordinária e inocente”.
Inácio de Antioquia (68 – 107) escreveu:
“Aqueles que estavam presos às velhas coisas vieram a uma novidade de
confiança, não mais guardando o sábado, porém vivendo de acordo com o
dia do Senhor (domingo)”.
Tertuliano de Cartago (160 – 220) também abordou o presente tema:
“Nós (os cristãos) nada temos com o sábado, nem com outras festas
judaicas, e menos ainda com as celebrações dos pagãos. Temos nossas
próprias solenidades: O Dia do Senhor...”
Justino, o Mártir, escreveu, por volta de 150 d.C., uma carta ao
imperador Antonino Pio, na qual ele faz uma enfática apologia à fé
cristã. Consta, do referido documento, um trecho que disserta, em
palavras esclarecedoras, sobre o costume dos primeiros cristãos quanto a
guarda do domingo e não mais do sábado, como pretendem os sabatistas.
Leiamos o valioso texto, que mostra, ainda, outros costumes litúrgicos
dos primeiros cristãos.
“No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os
que moram nas cidades ou nos campos, e aí se leem, enquanto o tempo o
permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o
leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos
esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e elevamos
nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão,
vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir
a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama, dizendo:
'Amém'. Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos
alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos
diáconos. Os que possuem alguma coisa e queiram, cada um conforme sua
livre vontade, dá o que bem lhe parece, e o que foi recolhido se entrega
ao presidente. Ele o distribui a órfãos e viúvas, aos que por
necessidade ou outra causa estão necessitados, aos que estão nas
prisões, aos forasteiros de passagem, numa palavra, ele se torna o
provedor de todos os que se encontram em necessidade. Celebramos essa
reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus,
transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que
Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito,
sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia
seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus
apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos
expondo para vosso exame”. [Destaques de nossa autoria]
Vimos, pelos textos acima transcritos, especialmente neste de Justino,
que o domingo já era observado pelos primeiros cristãos, e não mais o
sábado. Não é pretensão assinalar, assim, que havia no seio da Igreja
primitiva o hábito de adotar o domingo como o dia sagrado, de modo que
atribuir a Constantino a substituição aqui mencionada nos parece um
tanto sem base histórica, ainda que o dito imperador tenha oficializado
tal prática litúrgica.
Vale dizer ainda, para se evitar eventual especulação, que a
oficialização nada tem a ver, em sua essência, com a adoção abrupta de
um ato litúrgico. Em outras palavras, o que Constantino fez foi apenas
confirmar, formalmente, uma antiga prática cristã, nascida muito
provavelmente já nas primeitas décadas após a morte de Cristo.
Ao se afirmar que o imperador cristão ratificou uma velha tradição, não
se está dizendo, no entanto, que ele o fez movido somente por intenções
despretensiosas. Falamos assim porque, da mesma forma como ocorreu em
relação à invenção do Natal em 25 de dezembro, nos termos já dessertados
nesta matéria, poder-se-ia deduzir que os planos de Constantino eram
exatamente eliminar toda e qualquer data especial das festas pagãs.
A primeira refutação se concentra no fato de que o dito imperador não
era, declaradamente, inimigo do paganismo, do qual ele próprio foi
seguidor antes de se julgar cristão. Depois, a reiterada utilização da
expressão “Dia do Sol” se deve por razões históricas, cronologicamente
localizadas. Ou seja: os escritores que se referiram a essa prática
cristã (a adoção do domingo) o fizeram se utilizando de uma terminologia
bastante conhecida da época, ainda que ela tenha ligação direta com o
paganismo. O mesmo fenômeno é observado, por exemplo, quando o
historiador Cornélio Tácito, em 115 d.C., se referiu a Pôncio Pilatos
como sendo procurador, embora na época o título correspondente fosse de
prefeito. A expressão “Dia do Sol” era muito conhecida e empregada entre
os século II e V, razão por que os apologistas cristãos adotavam-na em
seus escritos.
Conclui-se, portanto, que a substituição do sábado para o domingo não é
uma invenção da Igreja Católica, muito menos de autoria do polêmico
imperador Constantino, ainda que temos razões de sobra para afirmar que a
referida igreja inventou dogmas que, no decorrer dos séculos, revelaram
o afastamento de vários ensinamentos bíblicos. Conforme vimos, é
altamente provável que a adoção do domingo como o dia consagrado para os
cristãos, em detrimento do sábado, tenha tido sua origem ainda no berço
do cristianismo, o que legitimaria, portanto, a adoção desse dia para
aqueles que o creem e têm a Bíblia como livro de fé.
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Leia também:
Jesus não nasceu em 25 de dezembro:
http://historiaesuascuriosidades.blogspot.com.br/2010/12/jesus-nao-nasceu-no-dia-25-de-dezembro.html
A conversão de Constantino:
A relação entre Constantino e a Igreja Católica:
http://historiaesuascuriosidades.blogspot.com.br/2012/02/cartas-de-constantino-mostram-estreita.html.
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